terça-feira, 31 de agosto de 2010

Aula 17 - O texto dissertativo


Identificar as falácias presentes no texto a seguir:

Em manifesto na web, jovens paulistas criticam migração
Em manifesto na web, jovens paulistas criticam migração

Eles têm entre 18 e 25 anos, são universitários e se uniram a partir de um manifesto virtual, batizado de "São Paulo para os paulistas". A iniciativa, que começou com a voz solitária de uma jovem indignada diante da proposta de inserção da cultura nordestina na grade curricular de escolas da capital do Estado, foi ganhando adeptos e, em poucos meses, já contava com mais de 600 adesões, demonstrações de apoio expressas em assinaturas numa petição online.
Escolhido como porta-voz do grupo por ter um discurso mais moderado e menos conservador, o estudante Willian Godoy Navarro, 22 anos, conversou com Terra Magazine.
(...)

Terra Magazine- Como surgiu a ideia do manifesto?
Willian Godoy Navarro - A ideia do manifesto surgiu por conta de algumas leis que ainda estão em discussão na Câmara, na Assembleia Legislativa, que defendem a aplicação de uma disciplina nas escolas públicas em relação à cultura nordestina. Isso desencadeou o movimento, porque não existe uma promoção da cultura paulista. Os alunos saem do Ensino Médio e não sabem o que foi a Revolução Constititucionalista de 1932.
Então, a Fabiana (uma das integrantes) criou a petição, jogou na internet e conseguiu a adesão. Foi formado um grupo. Dezenas jovens apoiam e se mobilizam na internet para divulgar. Foram se conhecendo pela internet. A petição está há poucos meses no ar e já tem mais de 600 assinaturas.
O que vocês pretendem exatamente?
A gente quer levantar a discussão. Não apoio a petição. Há uma discussão interna. Acredito que a petição é ousada demais, muito radical. A gente não pode fazer uma petição como se São Paulo fosse um Estado independente.
(...)

Vocês são a favor de iniciativas que estimulam o retorno de migrantes ao local de origem?
Imagina só: um migrante que tinha um trabalho na área agrária, rural. Ele vem para uma cidade, sem qualificação, sem estudo, sem preparo. Ele não tem base para se manter nessa cidade. Se ele sempre trabalhou no meio rural, o que vai fazer na cidade? Ninguém pensou nisso.

Então você apoia essas iniciativas?
Sim, é uma questão humanitária. Para você ter uma ideia, tem uma pesquisa que diz que 84% dos moradores de rua que vivem no Centro de São Paulo são migrantes. É aquela mesma história. Vêm para São Paulo, não são absorvidos, não têm amparo público e acabam vagando pela cidade. O custo de vida em São Paulo é alto. Acredito que seja um dos mais altos do pais. Já é difícil para um paulistano, que constrói uma carreira, comprar, financiar um apartamento ou uma casa, imagina para o migrante que consegue ganhar um salário mínimo por mês e tem uma família para sustentar?

Lendo o manifesto, notei que o movimento tem uma particular preocupação com os nordestinos...
Não existe essa preocupação particular. Mineiros, nordestinos, mato-grossenses, paulistas que vieram do interior para a capital. Todos.
(...)

Nesse primeiro momento, o manifesto virtual serviu para saber se haveria aceitação?
Foi um estudo para a gente sentir como seria a aceitação. Falar da migração sempre é um tabu. Sempre alguém vai se sentir prejudicado. A gente estava discutindo ontem para falar com você hoje. A gente não pode falar da migração. São Paulo foi construído por imigrantes e migrantes. O que tem que acontecer é uma administração, um controle.

Como assim "um controle"?
Não existe controle. Não controle. Controle é uma palavra muito forte. Mas nenhuma política que pudesse organizar a migração. Não só de nordestinos, mas de todos que vêm para São Paulo ou para outra cidade. A gente tem quase um milhão de pessoas na cidade de São Paulo que não conseguem emprego, que moram em favelas ou em áreas com más condições de moradia. A gente não tem estrutura para absorver a migração. Essa mão-de-obra, essa força de trabalho que continua vindo para São Paulo poderia desenvolver outras áreas do país. A gente se preocupa com o futuro da cidade.

Vocês do movimento consideram que a migração provoca sobrecarga no sistema de saúde e impactos nos índices de violência?
Seria hipócrita se dissesse que não. A maior parte das pessoas que utiliza o SUS na cidade de São Paulo são migrantes. Agora, não que esse seria o problema. Em relação à violência, é também bastante contestado. O cara vem, mora na periferia, não tem emprego, não tem nenhuma base. Vai trabalhar no mercado informal ou arranjar outro meio. Mas as vezes há outras situações que fazem com que parta a criminalidade.
(...)

No manifesto, vocês dizem que os "migrantes não construíram São Paulo por serem alocados na construção civil. Seja desmentida tal falácia". Você acha que isso é realmente uma falácia?
Essa parte do manifesto não li, mas o entendimento é o seguinte: quem constrói São Paulo não são os pedreiros. São os empresários, os investimentos aplicados na cidade, feitos por paulistas. Falar que outras pessoas construíram a cidade é absurdo. Eles trabalharam, usaram sua força de trabalho. Não significa que construíram São Paulo. Esse prédio que você trabalha, por exemplo, não foi construído por migrantes...por pedreiros. Foi construído pela empresa que investiu, que financiou o projeto. Entendeu o ponto de vista do manifesto? As pessoas dizem: "Ah, os migrantes construíram São Paulo". Construíram com sua força de trabalho, mas se não fossem os investimentos e o dinheiro que gira na cidade, não teriam construído nada.

(...)

Onde vocês pretendem chegar?
Nossa meta é que isso seja discutido na Assembleia Legislativa, na Câmara Municipal. A gente quer que seja implantada algum tipo de política que possa administrar isso (migração). Que fale: "vocês não têm qualificação, então, vão fazer um curso de qualificação e ser alocados para outras áreas do Estado que oferecem mais oportunidades. As pessoas que vivem em São Paulo e querem, mas não têm condições de voltar para a terra de onde fugiram... A cidade gerar essa oportunidade para elas. O pouco que a gente conquistar para uma cidade como São Paulo vai ser bastante.

Possibilidades de resposta:

"Se ele sempre trabalhou no meio rural, o que vai fazer na cidade?"

conclusão falaciosa: quem é do meio rural nunca estará apto a viver na cidade.


"A gente não pode falar da migração. São Paulo foi construído por imigrantes e migrantes. O que tem que acontecer é uma administração, um controle."

São Paulo foi construída por migrantes, mas é preciso controlar os migrantes: mais que falaciosa, a conclusão aqui é ilógica e contraditória.


"O cara vem, mora na periferia, não tem emprego, não tem nenhuma base. Vai trabalhar no mercado informal ou arranjar outro meio. Mas as vezes há outras situações que fazem com que parta a criminalidade."

Conclusão falaciosa: o migrante não tem cultura ou saberes próprios ("nenhuma base") e nenhuma possibilidade de ascensã social.


"No manifesto, vocês dizem que os "migrantes não construíram São Paulo por serem alocados na construção civil. Seja desmentida tal falácia". Você acha que isso é realmente uma falácia?
Essa parte do manifesto não li, mas o entendimento é o seguinte: quem constrói São Paulo não são os pedreiros. São os empresários, os investimentos aplicados na cidade, feitos por paulistas. Falar que outras pessoas construíram a cidade é absurdo. Eles trabalharam, usaram sua força de trabalho. Não significa que construíram São Paulo. Esse prédio que você trabalha, por exemplo, não foi construído por migrantes...por pedreiros. Foi construído pela empresa que investiu, que financiou o projeto. Entendeu o ponto de vista do manifesto? As pessoas dizem: "Ah, os migrantes construíram São Paulo". Construíram com sua força de trabalho, mas se não fossem os investimentos e o dinheiro que gira na cidade, não teriam construído nada."

conclusão falaciosa: os nordestinos são a mão de obra, os paulistas são o dinheiro. Além disso, o entrevistado acabou de dizer que São Paulo foi construída por migrações e imigrações - nesse contexto, por que seria absurdo afimar que "outras pessoas" construíram a cidade?


"Onde vocês pretendem chegar?
Nossa meta é que isso seja discutido na Assembleia Legislativa, na Câmara Municipal. A gente quer que seja implantada algum tipo de política que possa administrar isso (migração). Que fale: "vocês não têm qualificação, então, vão fazer um curso de qualificação e ser alocados para outras áreas do Estado que oferecem mais oportunidades. As pessoas que vivem em São Paulo e querem, mas não têm condições de voltar para a terra de onde fugiram... A cidade gerar essa oportunidade para elas. O pouco que a gente conquistar para uma cidade como São Paulo vai ser bastante." -

conclusões falaciosas: o migrante nunca é qualificado, têm de ser expulso de São Paulo e é um covarde que "fugiu" de sua terra. Além disso, o migrante se contenta com pouco - qualquer esmola que garanta sua sobrevivência em São Paulo é suficiente.



Aula 15: Problemas estruturais na carta argumentativa - a falta de coesão e a incoerência


Tema (Concurso dos Correios 2008):

“Escreva uma carta a alguém para explicar-lhe porque o mundo precisa de mais tolerância”

Exemplos

Confira a carta vencedora da fase nacional do 37º Concurso Internacional de Redação de Cartas promovido pela União Postal Universal (UPU):



“Aracaju, 26 de março de 2008.

Minha querida professora de Sociologia,

Como vai você? Espero que esteja bem, na luz como sempre diz. Estou escrevendo esta carta para compartilhar minha experiência, pois estou participando do concurso de cartas dos Correios, para explicar porque o mundo precisa de mais tolerância. Já ouvi muitas vezes em suas aulas sobre a necessidade dessa palavra no mundo, mas agora quero explicar-lhe com o meu olhar, e nisso sentirá a diferença em todas as outras explicações.

Claro que o mundo já possui milhões de palavras, e são todas bem vazias e inúteis quando não ganham alma... Então o que acha de praticarmos uma nova palavra? Tolerância... De corpo robusto, forte, e de alma eterna, firme, com enormes asas abertas para todos. Irmã univitelina do respeito, da paciência, do bom senso, o triste é que quase sempre esquecemos dos significados e não aplicamos em nossas vidas, para sermos humanos melhores.

Em tudo que tenho estudado encontro a presença da intolerância, e entendi que essa palavra é a face escura e triste da nossa história, e assim fui tendo certeza da importância da tolerância, mas preciso dizer professora, que as pessoas poderiam compreender muito mais se experimentassem essa palavra dentro dos seus dias, e aí sim, poderiam defender essa bandeira, com a mesma coragem e emoção que hoje passo a colocar no papel, e então, como dizem os filósofos que você tanto ama, estarei eternizando tudo isso a partir de agora.

Quando estava arrumando minhas idéias fiquei viajando em vários exemplos históricos que sempre ouço em suas citações apaixonadas: Mahatma Gandhi e sua política de não violência, ensinando a tolerância com as diferenças religiosas, com os preconceitos raciais. Ele não dizia como os outros deveriam fazer, ele fazia primeiro, dando seu próprio exemplo, de nunca revidar tanta crueldade e humilhação pelo qual passou todo o seu povo. Acaso não seria essa a essência da tolerância professora? Evitar as guerras, as mágoas, o instinto selvagem do homem? Por isso professora acredito que só existe um solo sagrado e fértil para que a tolerância possa florescer: dentro de nós.

Entendi que é dentro de nós mesmos que moram todos os monstros, que por infinitos motivos e justificativas vão criando “o caos nosso de cada dia”, como diz o livro de Crônicas de Carlos Eduardo Novaes, que estou lendo. Entendo que a tolerância nasce dos pequenos gestos dentro de casa, da “palavra formosa”, como dizem os índios sobre os quais você me ensinou, onde eles praticam a quebra do orgulho e da vaidade antes de dirigir a palavra ao seu próximo, pois as palavras que ofendem, devem ser levadas para as “más águas”, e são elas que criam as mágoas, que alimentam os monstros dentro de nós. Esses monstros chamados colonizadores massacraram os índios por suas intolerâncias culturais e religiosas.

A tolerância nasce também do exemplo, e principalmente dele, por isso a importância do exercício da tolerância na família, que é nossa primeira escola. Vejo reportagens de crianças mutiladas, com fome, que sofrem maus tratos; intolerâncias em nome de Deus, de Alá, de todos. Viu aquela menina que foi acorrentada professora? Vitima da intolerância de tantos... Foi então que pesquisei e refleti sobre um documento da UNESCO que decreta o dia 16 de novembro como o dia Internacional da tolerância, e em seu artigo 4º decreta: “4.1 A educação é o meio mais eficaz de prevenir a intolerância. A primeira etapa da educação para a tolerância consiste em ensinar aos indivíduos quais são seus direitos e suas liberdades a fim de assegurar seu respeito e de incentivar a vontade de proteger os direitos e liberdades dos outros”.

Se cada um pudesse compreender... É o direito a liberdade que efetiva a tolerância em nossas vidas, e a educação é o motor que pode tornar a tolerância possível. A partir desse artigo entendi que a sua paixão por ensinar professora, faz mesmo a diferença, e que seu exemplo brilha em mim todos os dias e me faz melhor, corrigindo minhas intolerâncias rotineiras, para praticar o respeito pelo direito que o outro tem de ser o que ele desejar.

Professora amada, você é única para mim, me alegro por viver ao seu lado, e aprender as mais profundas lições de humanidade. Se houvesse mais tolerância entre as pessoas, as catástrofes seriam evitadas, e o homem não julgaria o “monstro do seu semelhante sem antes dar conta do seu, e teria vergonha de usar seus conceitos acima dos outros”. Conviver com as diferenças, plantando a tolerância dentro de nós, esse é o tema da aula diária que precisamos aprender, e o principal: exercitar. E entre tantas definições, Jesus nos apresentou um só mandamento, o do amor e o ser humano, intolerante não conseguem praticar. Tolerância foi tudo que Cristo viveu, e os homens o colocaram numa cruz. Mas a tolerância ainda é o único caminho capaz de levar á felicidade e ao amor incondicional. Nesse caminho mestra querida, quero compartilhar contigo a importância do perdão, da solidariedade e da tolerância, por ser minha professora de Sociologia, exemplo dos meus dias, me fez acreditar que é possível também como você acredita, amar os homens com olhos livres e construir um mundo bom. Eu sou sua semente, e em suas palavras dei meus primeiros passos, porque antes de ser minha inesquecível professora, você é minha mãe, que me ensinou que cada um precisa fazer sua parte.

E como você diz mamãe,

Um grande abraço em Cristo!

De sua filha que muito te ama.

Hannah Sophia Vasconcelos Bezerra Silva

12 Anos

8º Ano do ensino Fundamental

Colégio Saint - Louis”

Observem que a carta apresenta alguns problemas estruturais, como falta de vírgulas, termos mal colocados e argumentos pouco desenvolvidos, além da contradição de concentrar toda a tolerância na figura de Jesus, o que pode implicar em certa intolerância religiosa. Contudo... é uma carta que cumpre seu objetivo básico... e a aluna de 12 anos surpreende ao demonstrar bastante maturidade ao trabalhar o tema. Dessa vez, não coloquei exemplos da redação dos gausianos por dois motivos: 1) me confunfi e acabei devolvendo alguns textos que iriam pro blog 2) a maioria dos alunos que fez a redação se confundiu bastante na hora de escolher um interlocutor... não precisávamos ir tão longe para saber a quem destinar a carta, e o exemplo da menina que fala sobre tolerância com a mãe é bastante válido.

domingo, 1 de agosto de 2010

Aula 16 - O gênero "carta" nos vestibulares - simulado



Simulado Carta

01. (Unicamp 2003) Leia atentamente o poema abaixo, de autoria de Cacaso:

HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO POSTAL
eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor
(Antonio Carlos de Brito (CACASO), Beijo na boca . Rio de Janeiro, 7 Letras, 2000. p. 12.)

a) Este poema de Cacaso (1944-1987) dialoga com várias vozes que falaram sobre a paisagem e o homem brasileiros. Justifique a
referência ao “cartão postal” do título, através de expressões usadas na primeira estrofe.
b) O poema se constrói sobre uma imagem suposta de brasileiro. Qual é essa imagem?

Respostas:

a) 1 ponto para a resposta que assinale que se trata de imagens convencionais, típicas ou estereotipadas daquilo que se convencionou como identidade nacional.
1 ponto para a menção de pelo menos duas das expressões abaixo:
luar do sertão, verde mata, olhos verdes da mulata, sou manhoso
(2 pontos)
b) É a imagem de um brasileiro manhoso, “finjo que vou e não vou”.
(1 ponto)

Respostas possíveis:

a) Cartão postal é uma referencia a elementos considerados típicos do Brasil, assim como o “luar do sertão”, “verde mata” e a “mulata”.
b) Trata-se da imagem do brasileiro como esperto, malandro, “manhoso” ("finjo que vou mas não vou”).


02. (Unesp 2006)

Carta XIII – Ao Rei D. João IV – 4 de abril de 1654

(...)
Tornando aos índios do Pará, dos quais, como dizia, se serve
quem ali governa como se foram seus escravos, e os traz quase
todos ocupados em seus interesses, principalmente no dos tabacos,
obriga-me a consciência a manifestar a V.M. os grandes pecados
que por ocasião deste serviço se cometem.
Primeiramente nenhum destes índios vai senão violentado e
por força, e o trabalho é excessivo, e em que todos os anos morrem
muitos, por ser venenosíssimo o vapor do tabaco: o rigor
com que são tratados é mais que de escravos; os nomes que lhes
chamam e que eles muito sentem, feiíssimos; o comer é quase
nenhum; a paga tão limitada que não satisfaz a menor parte do
tempo nem do trabalho; e como os tabacos se lavram sempre em
terras fortes e novas, e muito distante das aldeias, estão os índios
ausentes de suas mulheres, e ordinariamente eles e elas em mau
estado, e os filhos sem quem os sustente, porque não têm os pais
tempo para fazer suas roças, com que as aldeias estão sempre em
grandíssima fome e miséria.
Também assim ausentes e divididos não podem os índios ser
doutrinados, e vivem sem conhecimento da fé, nem ouvem missa
nem a têm para a ouvir, nem se confessam pela Quaresma, nem
recebem nenhum outro sacramento, ainda na morte; e assim morrem
e se vão ao Inferno, sem haver quem tenha cuidado de seus
corpos nem de suas almas, sendo juntamente causa estas crueldades
de que muitos índios já cristãos se ausentam de suas povoações,
e se vão para a gentilidade, e de que os gentios do sertão
não queiram vir para nós, temendo-se do trabalho a que os obrigam,
a que eles de nenhum modo são costumados, e assim se
vêm a perder as conversões e os já convertidos; e os que governam
são os primeiros que se perdem, e os segundos serão os que
os consentem; e isto é o que cá se faz hoje e o que se fez até agora.
(Padre Antonio Vieira. Carta XIII. 1949.)

O Último Pajé

Cheio de angústia e de rancor, calado,
Solene e só, a fronte carrancuda,
Morre o velho Pajé, crucificado
Na sua dor, tragicamente muda.
Vê-se-lhe aos pés, disperso e profanado,
O troféu dos avós: a flecha aguda,
O terrível tacape ensangüentado,
Que outrora erguia aquela mão sanhuda.
Vencida a sua raça tão valente,
Errante, perseguida cruelmente,
Ao estertor das matas derrubadas!
“Tupã mentiu!” e erguendo as mãos sagradas,
Dobra o joelho e a calva sobranceira
Para beijar a terra brasileira.
(Péthion de Villar. A morte do pajé. 1978.)

02. Embora separados por mais de dois séculos, os textos apresentados
focalizam uma mesma questão social surgida no
Brasil-Colônia, que tem repercussões até os dias atuais. Releia
os dois textos com atenção e, a seguir,
a) identifique a questão social abordada por ambos os textos.


Resposta: Nos dois textos, a “questão social” abordada é a do
tratamento dado aos índios pelos colonizadores.
Vítimas de “rigor” ainda mais brutal do que o dirigido
aos escravos, privados de sua cultura sem ser
beneficiados pela cultura de seus conquistadores, a
cena culminante do soneto de Péthion de Villar
representa o sacerdote indígena clamando pateticamente
contra a traição de seu deus, ao mesmo tempo
em que se entrega ao domínio dos novos
senhores de sua terra.


03. (Enade 2005) Leia trechos da carta-resposta de um cacique indígena à sugestão, feita pelo Governo do Estado da Virgínia (EUA), de que uma tribo de índios enviasse alguns jovens para estudar nas escolas dos brancos.

“(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e
agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes
nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão
ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. (...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam caçar o veado, matar o inimigo ou construir uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, inúteis. (...)
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo que sabemos e faremos deles homens.”
(BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984)

A relação entre os dois principais temas do texto da carta e a forma de abordagem da educação privilegiada pelo cacique está representada por:
(A) sabedoria e política / educação difusa.
(B) identidade e história / educação formal.
(C) ideologia e filosofia / educação superior.
(D) ciência e escolaridade / educação técnica.
(E) educação e cultura / educação assistemática.

Resposta: item e). O que o cacique defende não é uma educação formal, superior ou técnica - esses são os modelos criticados por ele, apontados como inconciliáveis com a vida indígena. A questão também não é defender uma educação difusa ou pouco consistente - trata-se de valorizar uma educação não-paradigmática (assistemática). Além disso, o tema principal da carta é a educação própria, adequada a cada cultura (as questões de ideologia, filosofia e política estão presentes para embasar a abordagem principal).

(UFRN – 2006)
Leia o texto abaixo e, com base nele, responda à questão 1.

CARTA A UM JOVEM QUE FOI ASSALTADO

“Foste assaltado. Bem, a primeira coisa a dizer é que isso não chega a ser um fato excepcional. Excepcional é ganhar um bom salário, acertar a loto: mas ser assaltado é uma experiência que faz parte do cotidiano de qualquer cidadão brasileiro. Os assaltantes são democráticos: não discriminam idade, nem sexo, nem cor, nem mesmo classe social. Grande parte das vítimas é das vilas populares. É claro que na hora não pensaste nisso. Ficaste chocado com a fria brutalidade com que o delinqüente te ordenou que lhe entregasse a bicicleta (podia ser o tênis, a mochila, qualquer coisa).
Entregaste e fizeste bem: outros pagaram com a vida a impaciência, a coragem ou até mesmo o medo, não poucos foram baleados pelas costas.
Indignação foi o sentimento que te assaltou depois. Afinal, era o fruto do trabalho que o homem estava levando. Não fruto do teu trabalho até poderia ser 
mas o fruto do trabalho do teu pai, o que talvez te doeu mais.
Ficaste imaginando o homem passando a bicicleta para o receptador, os dois satisfeitos com o bom negócio realizado. É possível que o assaltante tenha dito, nunca ganhei dinheiro tão fácil. E, pensando nisso, a amargura te invade o coração. Onde está o exército? Por que não prendem essa gente?
Deixa-me dizer-te, antes de mais nada, que a tua indignação é absolutamente justa. Não há nada que justifique o crime, nem mesmo a pobreza.
Há muito pobre que trabalha, que luta por salários maiores, que faz o que pode para melhorar a sua vida e a vida de sua família sem recorrer ao roubo ou ao assalto. Mas tudo que eles levam, os ladrões e assaltantes, são coisas materiais.
E enquanto estiverem levando coisas materiais, o prejuízo, ainda que grande, será só material.
Mas não deves deixar que te levem o mais importante. E o mais importante é a tua capacidade de pensar, de entender, de raciocinar. Sim, é preciso se proteger contra os criminosos, mas não é preciso viver sob a égide do medo.
Deve-se botar trancas e alarmes nas portas, não em nossa mente. Deve-se repudiar o que fazem os bandidos, mas deve-se evitar o banditismo.
Eles te roubaram. É muito ruim, isso. Mas que te roubem só aquilo que podes substituir. Que não te roubem o coração."

SCLIAR, Moacyr. Moacyr Scliar (seleção e prefácio de Luís Augusto Fischer). São Paulo: Global,
2004. p. 267-268. (Coleção Melhores Crônicas)
Glossário:
égide: escudo.

04. Considere o trecho:
“Deixa-me dizer-te, antes de mais nada, que a tua indignação é absolutamente justa.” (linhas 19 e 20)
Mudando-se de tu para você o tratamento dado ao destinatário da carta, o período, de acordo com o registro culto da língua escrita, deverá ser reformulado do seguinte modo:

A) Deixa-me dizê-lo, antes de mais nada, que a sua indignação é absolutamente justa.
B) Deixe-me dizer-lhe, antes de mais nada, que a sua indignação é absolutamente justa.
C) Deixa-me dizer-lhe, antes de mais nada, que a tua indignação é absolutamente justa.
D) Deixe-me dizê-lo, antes de mais nada, que a tua indignação é absolutamente justa.

Resposta: item b) Quem diz, diz a alguém (e em terceira pessoa, o pronome para marcar esse objeto indireto é "lhe"), o pronome possessivo para a terceira pessoa é "sua" e o imperativo para terceira pessoa é "deixe" ("deixa tu", "deixe você")

(Fuvest 2009)

Belo Horizonte, 28 de julho de 1942.

Meu caro Mário,

Estou te escrevendo rapidamente, se bem que haja muitíssima coisa que eu quero te falar (a respeito da Conferência, que acabei de ler agora). Vem-me uma vontade imensa de desabafar com você tudo o que ela me fez sentir. Mas é longo, não tenho o direito de tomar seu tempo e te chatear.

Fernando Sabino.

05. Neste trecho de uma carta de Fernando Sabino a Mário de Andrade, o emprego de linguagem informal é bem evidente em:

a) “se bem que haja”.
b) “que acabei de ler agora”.
c) “Vem-me uma vontade”.
d) “tudo o que ela me fez sentir”.
e) “tomar seu tempo e te chatear”.

Resposta: item e), em que é empregada informalmente a segunda pessoa ("te chatear") combinada com o uso informal da terceira pessoa ("seu tempo"). Seguindo a norma culta, esse encontro de duas pessoas gramaticais não seria possível. Além disso, o verbo "chatear" tem caráter coloquial.