terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Produção de Textos - Aula 1. A Redação no Vestibular

Escrever um texto sobre o vestibular que use as ferramentas argumentativas (pode ser uma crônica, uma dissertação, um artigo de opinião, etc). Para compor sua redação, baseie-se na leitura das crônicas de Rubem Alves e Luis Fernando Verissimo.


Vestíbulo de coisa nenhuma

(Rubem Alves)



Os exames vestibulares são uma das maiores, possivelmente a maior praga que infesta a educação brasileira. O seu nome, derivado de “vestíbulo”, que quer dizer “átrio, entrada de um edifício”, sugere que eles são apenas uma inocente e estreita porta de entrada para as universidades. De fato, para isso foram criados. Mas freqüentemente acontece com as instituições sociais o mesmo que ocorre com os medicamentos: os efeitos colaterais não-previstos são mais importantes que os efeitos desejados. Pode ser que a cura seja pior que a doença.
É o caso dos vestibulares. Anunciados como inocentes portas de entrada, o seu efeito maior, entretanto, tem sido o seu poder de moldar e determinar os padrões de educação nas escolas de ensino médio e até mesmo de ensino fundamental. Cúmplices nesse processo são os pais. Ansiosos por ver seus filhos nas universidades, por imaginarem que um diploma vai lhes garantir segurança econômica, exercem pressões sobre as escolas no sentido de que elas se transformem em instituições dedicadas a “preparar para os vestibulares”. Boa escola é aquela que segue os modelos dos cursinhos. Aquelas que não se ajustam estão condenadas à marginalização: instituições inúteis, não preparam para os vestibulares.

Os professores que preparam as questões para os exames vestibulares, cada um mergulhado nas particularidades da sua própria disciplina, nem de longe imaginam que, ao elaborar uma questão, estão determinando os rumos da educação no Brasil. Não sabem que no simples ato de imaginar um problema eles estão determinando padrões de inteligência e padrões de conhecimento para todos os jovens do Brasil. O padrão de conhecimento refere-se à soma de informações julgadas necessárias e indispensáveis para se passar nos exames. O tipo de inteligência refere-se às operações mentais julgadas essenciais para o mesmo fim.
Ora, esses dois elementos, padrões de conhecimento e padrões de inteligência, constituem-se num resumo de toda uma filosofia da educação. Os exames vestibulares, assim, involuntariamente, estabelecem o modelo de excelência educacional a ser seguido pelas escolas.
Quanto à inteligência, é preciso saber que não há uma, mas muitas. Como na estória da Bela Adormecida, muitas delas se encontram mergulhadas em sono profundo, à espera de que um beijo de amor as acorde... Outras, segundo denúncia de Hermann Hesse, são simplesmente assassinadas. Os exames vestibulares encontram-se entre os feiticeiros que fazem dormir muitos tipos de inteligência e entre os assassinos que matam muitas outras. São, assim, culpados de bruxaria e assassinato...
Uma professora da Unicamp me contou que os alunos que mais dificuldade tinham em seguir a sua disciplina eram aqueles que haviam passado nos primeiros lugares nos exames vestibulares. Havendo desenvolvido com sucesso o tipo de inteligência necessária para passar nos vestibulares, que pressupõe haver sempre uma alternativa correta, entre as várias apresentadas, a sua inteligência não conseguia conviver com uma situação de incertezas, em que cada decisão é sempre uma aposta. Os alunos perguntavam sempre: “Mas, professora, qual é a resposta certa mesmo?”
Assim é a inteligência vestibularesca, em direta oposição à inteligência científica que, como K. Popper e Thomas Kuhn o demonstraram, só germina, cresce e dá frutos em meio às incertezas e apostas.
No caso das disciplinas incluídas na área de humanidades o resultado da inteligência vestibularesca é igualmente assassino. Paul Goodman afirmava não conhecer nenhum método para ensinar as humanidades que não as matasse. O prazer, na leitura de um livro, faz parte da própria essência do livro. Daí a impossibilidade de se ensinar as humanidades para passar no exame. O ensino das “ciências da linguagem” não desenvolve nem o prazer na leitura nem o prazer em escrever. O miserável artifício de estudar os “resumos” dos livros, com os nomes das personagens e o esboço da trama, é uma forma segura de matar o amor pelo ato vagaroso e preguiçoso de ler. De alguma forma essas disciplinas só são aprendidas se não houver uma guilhotina ao final do caminho. É como o amor: a ameaça da punição, se a performance for insuficiente, é a garantia de que ela será...
Há, depois, o absurdo da quantidade e do tipo dos conteúdos de informação que os estudantes devem trazer para os exames. Pede-se, dos estudantes, que eles saibam mais, em amplitude, do que sabem cientistas já formados. Gostaria que os professores universitários se submetessem, voluntariamente, aos exames vestibulares. Os resultados seriam muito instrutivos. Como é altamente provável que um grande número não passasse, eu inclusive, a conclusão inevitável seria a de que existe algo de absurdo nas exigências de conhecimento dos exames vestibulares.
A mente só guarda e opera conhecimentos de dois tipos: (1) os conhecimentos que dão prazer e (2) os conhecimentos instrumentais, que podem ser usados como ferramentas. Como uma altíssima porcentagem do que se exige para os exames vestibulares não é nem conhecimento que dê prazer nem conhecimento que se use como instrumento, esse supérfluo é logo esquecido. O esquecimento é uma operação da inteligência que se recusa a carregar o inútil e o que não dá prazer. A inteligência deseja viajar com leveza... Assim, todo o enorme gasto de tempo, dinheiro, energia, todo esse imenso sofrimento de filhos e pais, está destinado a terminar como os castelos de areia construídos na praia: é logo lavado pela maré do esquecimento.

O flagelo do vestibular 
(Luis Fernando Verissimo)
 
Não tenho curso superior. O que eu sei foi a vida que me ensinou, e como eu não prestava muita atenção e faltava muito, aprendi pouco. Sei o essencial, que é amarrar os sapatos, algumas tabuadas e como distinguir um bom beaujolais pelo rótulo. E tenho um certo jeito — como comprova este exemplo — para usar frases entre travessões, o que me garante o sustento. No caso de alguma dúvida maior, recorro ao bom senso. Que sempre me responde da mesma maneira: "Olha na enciclopédia, pô!"
Este naco de autobiografia é apenas para dizer que nunca tive que passar pelo martírio de um vestibular. É uma experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isto não impede que todos os anos, por esta época, eu sofra com o padecimento de amigos que se submetem a terrível prova, ou até de estranhos que vejo pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas, roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito com aquele ar de sobrevivente da Marcha da Morte de Batan.
Enfim, os flagelados do unificado. Só lhes posso oferecer a minha simpatia. Como ofereci a uma conhecida nossa que este ano esteve no inferno.
— Calma, calma. Você pode parar de roer as unhas. O pior já passou.
— Não consigo. Vou levar duas semanas para me acalmar.
– Bom, então roa as suas próprias unhas. Essas são as minhas...
– Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites sem sono. Eu estava de um jeito que calmante me excitava. E quando conseguia dormir, sonhava com múltiplas escolhas: a) fracasso, b) vexame, c) desilusão. E acordava gritando: Nenhuma destas! Nenhuma destas! Foi horrível.
– Só não compreendo por que você inventou de fazer vestibular a esta altura da vida...
– Mas quem é que fez vestibular? Foi meu filho! E o cretino está na praia enquanto eu fico aqui, à beira do colapso.
Mãe de vestibulando. Os casos mais dolorosos. O inconsciente do filho às vezes nem tá, diz pra coroa que cravou coluna do meio em tudo e está matematicamente garantido. E ela ali, desdobrando fila por fila o gabarito. Não haveria um jeito mais humano de fazer
a seleção para as universidades? Por exemplo, largar todos os candidatos no ponto mais remoto da floresta amazônica e os que voltassem à civilização estariam automaticamente classificados?
Afinal, o Brasil precisa de desbravadores. E as mães dos reprovados, quando indagadas sobre a sorte dos seus filhos, poderiam enxugar uma lágrima e dizer com altivez:
– Ele foi um dos que não voltaram...
Em vez de:
– É um burro!
Os candidatos à Engenharia no Rio de Janeiro poderiam ser postos a trabalhar no metrô dia e noite; quem pedisse água seria desclassificado.
O Estado acabaria com poucos engenheiros novos — aliás, uma segurança para a população —, mas as obras do metrô progrediriam como nunca. Na direção errada, mas que diabo.
O certo é que do jeito que está não pode continuar. E ainda por cima há os cursinhos pré-vestibulares. Em São Paulo os cursinhos estão usando helicópteros na guerra pela preferência dos vestibulandos que terão que repetir tudo no ano que vem. Daí para o
napalm, o bombardeio estratégico, o desembarque anfíbio e, pior, uma visita do Kissinger para negociar a paz, é um pulo. Em São Paulo há cursinhos tão grandes que o professor, para se comunicar com as filas de trás, tem que usar o correio. Se todos os alunos de cursinhos no centro de São Paulo saíssem para a rua ao mesmo tempo, ia ter gente caindo no mar em Santos. O vestibular virou indústria. E os robôs que saem das usinas pré-vestibulares só têm dois movimentos: marcar cruzinha e rezar.
O filho da nossa nervosa amiga chegou em casa meio pessimista com uma das suas provas.
— Sei não. Acho que entrei pelo cano. O Inglês não estava mole.
– Mas meu filho, hoje não era inglês! Era física e matemática!
– Oba! Então acho que fui bem.


Redações dos gauseanos:

Tantos anos... à toa? 
(Andressa dos Santos Coelho)

Fim de ano é sempre uma época diferente, que exige preparativos e comemorações de festas especiais. Mas, para quem passou o ano todo estudando, é a hora de passar pelo teste dos testes: o vestibular. Ele, que tira o sono de muita gente e que a cada ano se torna mais difícil e concorrido.
Nós passamos mais de dez anos na escola, do Ensino Fundamental ao Médio. São-nos ensinadas tantas coisas, passamos por inúmeras avaliações, notas nos são atribuídas, um histórico completo é formado. Só que basta nos submetermos a um simulado para perceber que tanto tempo não nos fez aprender quase nada e esquecer quase tudo.
A escola basicamente nos ensina a saber ler e escrever (o necessário, é claro). Começa então a preparação para o vestibular - cursinho, apostilas, livros, força de vontade, esforço... e tudo isso para aprender o que deveria ter sido aprendidfo. Então, surge a pergunta: por que a escola não ensina exatamente o que cai no vestibular? Ou melhor, por que no vestibular não cai somente o que é ensinado na escola? (...)
As provas no vestibular são, na verdade, provas de resistência. Textos, diversas fórmulas, cálculos, teorias, redações... (...) A forma de avaliação deveria mudar. O estudante deveria ser avaliado por completo, por toda a sua vida na escola - o que ele fez, seus trabalhos, suas horas de estudo, sua frequência, seu comportamento, etc.
O aluno que fomos durante todos os anos de escola deveria ser levado em conta. As escolas, por sua vez, têm de ensinar a realidade dos vestibulares - os exercícios difíceis, ensinar a escrever melhor, nos tornar pensadores melhores. (...) O estudo para o vestibular, o estudo para a vida, deve ser levado a sério desde cedo. 

O padrão vestibularesco
(Juliana Katib)

Os concorridos exames vestibulares: dias e noites de dedicação aos estudos em busca da tão sonhada vaga na universidade. Apesar de parecer algo inocente (afinal, são apenas estudantes tentando garantir um bom futuro), os exames vestibulares criam padrões de inteligência - necessários para conseguir passar pelas provas.
Assim, a educação é toda baseada nos conteúdos do vestibular, desde o Ensino Fundamental até o Médio. Nem todas as escolas seguem esse esquema, entretanto. Nas escolas públicas (em comparação com os cursinhos pré-vestibulares) torna-se visível que o tempo que dedicamos a aprender foi perdido ou constituiu apenas uma pequena base do que realmente deveríamos aprender para passar nos exames.
A inteligência vestibularesca é a dúvida criada em meio a várias alternativas de aprendizagem, dentre as quais apenas uma está correta. Para nos prepararmos para os exames, precisamos apenas das informações julgadas necessárias... e o resto? O resto, são apenas alternativas erradas.

Comentários:
As redações da Andressa e da Juliana são interessantes por trazerem novas visões sobre o tema. Para Andressa, há um descompasso entre o conteúdo ensinado nas escolas e o cobrado nos vestibulares, que precisa ser resolvido. Juliana, por sua vez, ainda que também sustente esse ponto de vista, questiona mais fortemente se a situação não deveria ser reversa - o vestibular é que deveria acompanhar o ritmo da aprendizagem das escolas.
 
 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Interpretação de Textos - Aula 1. Exercício de sensibilização

Trabalho com os cinco sentidos  

a) Associar à música escutada em sala:
1)um cheiro
2) uma cor
3) uma sensação
4) um gosto
 
b) Sentir-se no lugar do outro: Trocar aleatoriamente os textos com os quatro sentidos descritos.

Cada aluno deve tomar a redação do colega e compor uma narrativa curta a partir das sensações descritas.



Gabriel M. Cruz
- Cheiro de macarrão
- Vermelho
- Tranquilo
- Doce refinado

A partir das sensações do Gabriel, a Juliany escreveu:

"É só mais um temporal, já já passa" - citei pela segunda vez em voz alta para ninguém além da parede. Olhei em volta e não havia nada ali que me agradasse, o cheiro de macarrão de aspecto duvidoso à minha frente era apenas mais uma prova de minha ingenuidade ao bater o pé e brigar por independência. Outrora, em dias chuvosos, estaria deitada sob a velha manta vermelha, um pouco gasta, enquanto lia um bom livro, devorando-o como se fora um doce refinado. Meus pensamentos flutuavam quando um trovão trouxe-me à realidade. A única luz de que dispunha era a de uma vela, já que a energia havia acabado. "Quem dera o tempo voltasse" - pensei desanimada enquanto ia para a cama depois de jogar o macarrão fora e apagar a pequena chama da vela.  

No texto da Juliany, ela cria uma personagem que vive maus momentos após ter decidido se tornar independente. Sem ninguém para lhe fazer companhia e nada que lha traga conforto, resigna-se a viver de nostalgias.  

Tiago B. Buscarelli
- Cheiro de mato, floresta, campo
- Cor verde musgo
- Sensação agradável, muita calma, relaxante
- Gosto igual a de um café sem açúcar

A partir das sensações do Tiago, o Jefferson escreveu:

Posso me considerar uma pessoa feliz, pois aproveitei minha infância ao máximo. Com bons amigos, sempre procurei aventuras em ambientes agradáveis: descobrindo trilhas na floresta verde musgo, relaxando com o cheiro de mato, contemplando os lindos campos sempre com muita calma, sem pressa em passar o tempo. Hoje, entretanto, vivo em um lugar onde a floresta se transformou em grandes árvores de ferro e a sensação é igual a de um café sem açúcar.  

No texto do Jefferson, o protagonista também vive infeliz no tempo presente e tem uma relação saudosista com sua infância.

Raiane Emanuele
- Cheiro de ar puro; das árvores
- Vermelho
- Sensação de estar em um outro lugar, longe daqui
- Gosto doce; chocolate

A partir das sensações da Raiane, a Fernanda Devecchi Prado escreveu:

Hoje, enquanto estava passando novamente em um dos vários congestionamentos quilométricos da nossa capital, fui tomado por um intenso sentimento de nostalgia ao ver um grupo de 4 crianças que corriam pela chuva, gritando, chutando poças de água e rindo no canteiro central, que separa as vias de uma das principais avenidas da cidade. Ao ver essa cena lembrei-me da minha infância, quando eu, meus irmãos e primos corríamos entre as árvores da pequena cidade de Registro, no interior de São Paulo, e após horas de brincadeira íamos até a varanda da casa para observar o belo pôr-do-sol que tingia magicamente todo o céu de vermelho. Sem dúvida, o mais belo espetáculo que já presenciei e que era acompanhado pela degustação de um maravilhoso pudim de chocolate - daqueles que só as mãos mágicas das avós podem fazer.

No texto da Fernanda, novamente vemos um protagonista que sente saudades de uma infância mais simples e com mais contato com a natureza.  

Filipi Bucciorell
- Cheiro insuportável (desagradável)
- Vermelho, preto, azul, todos misturados
- Sensação de loucura
- Gosto meio amargo (Diamante Negro)

A partir das sensações do Filipi, a Jaqueline de Matos Silva escreveu:

Mais um dia, aquela mesma rotina, milhares de pessoas à beira da loucura nessa capital maluca. Um vai e vem que lembra uma corrida para o fim desta tortura. A hora passa, o ritmo continua, as pessoas mudam, mas aquela fadiga desagradável continua provocando um gosto amargo insuportável. O absurdo é inevitável - todos misturados, sem sequer saber para onde são levados.  

No texto da Jaqueline, a frustração de viver em um lugar "sem açúcar e sem afeto" dá o tom do conto.