quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Aula 10. Elementos da sequência narrativa: tempo e espaço

Tempo

(Unicamp 2006)


Leia o trecho a seguir e responda:
– Vovô, eu quero ver um cometa!
Ele me levava até a janela. E me fazia voltar os olhos para o alto, onde o sol reinava sobre a Saracena.
– Não há nenhum visível no momento. Mas você há de ver um deles, o mais conhecido, que, muito tempo atrás, passou no céu da Itália.
Muito tempo atrás...atrás de onde? Atrás de minha memória daquele tempo.
E vovô Leone continuava:
– Um dia, você há de estar mocinha, e eu já estarei morando junto das estrelas. E você há de ver a volta do grande cometa, lá pelo ano de 2010...
Eu me agarrava à cauda daquele tempo que meu avô astrônomo me mostrava com os olhos do futuro e saía de sua casa. Na rua, com a cabeça nas nuvens, meus olhos brilhavam como estrelas errantes. Só baixavam à terra quando chegava à casa de vovô Vincenzo, o camponês.
(Ilke Brunhilde Laurito, A menina que fez a América. São Paulo: FTD, 1999, p. 16.)

No trecho "Muito tempo atrás... atrás de onde? Atrás de minha memória daquele tempo."
a) Identifique os sentidos de ‘atrás’ em cada uma das três ocorrências.
Na primeira ocorrência, no excerto "muito tempo atrás", o termo "atrás" tem o mesmo sentido de "anteriormente". Na segunda corrência ("atrás de onde?"), o termo (indica uma localização). Na terceira ocorrência "Atrás da minha memória daquele tempo") há a referência simultânea ao espaço e ao tempo.
VANESSA ALVES/ JOÃO RICARDO

b) Compare "Atrás de minha memória daquele tempo" com "Atrás do jardim da minha casa". Explique os sentidos de ‘atrás’ em cada uma das frases.
Os dois "atrás" possuem sentidos diferentes em cada frase. O da frase "Atrás da minha memória daquele tempo" refere-se a algo situado anteriormente em tempo e posteriormente em posição. O da frase "Atrás do jardim da minha casa" refere-se unicamente à espacialidade, à localização.
JOÃO RICARDO

Espaço

(Unicamp 2009)

Observe o poema abaixo. Nele, Carlos Drummond de Andrade reescreve a famosa “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, na qual o poeta romântico idealiza a terra natal distante:

NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO
A Josué Montello

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

Além de expatriação, a palavra exílio significa também “lugar longínquo” e “isolamento do convívio social”.
a) Quais palavras expressam estes dois últimos significados no poema de Drummond?
O lugar longínquo é expressado pela palavra "longe". (O isolamento, pela repetição da palavra "só").
CAMILA MORAES

b) Como o eu lírico imagina o lugar para onde quer voltar?
O eu-lírico imagina um lugar ameno, perto da natureza, onde ele se sentiria bem e provavelmente seria feliz.

(UERJ 2007 - Adaptada)

O adeus / Rubem Braga

No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares de edifícios; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho? Entretanto a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim três, quatro vezes sucessivas.
Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante.
Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: “Meu Deus, seus olhos estão esverdeando”.
Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro: inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento bailado. Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam?
Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.
Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos. O homem fez um grande embrulho de jornal; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação. E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara; alguém viera e batera à porta, e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo o recibo de uma carta registrada, e quando o telefone bateu foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre – senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza onde entretanto ainda havia uma inútil, resignada esperança.


O título do texto de Rubem Braga é o prenúncio de uma idéia de separação que percorre a narrativa. Essa idéia é percebida pelos personagens por meio da invasão do espaço? Justifique.
A ideia de separação presente no título "Adeus" é percebida como a invasão do espaço pelas personagens, pois os dois queriam se isolar da realidade e para isso trancaram-se em um apartamento a fim de que as influências externas não perturbassem a vida pessoal do casal. Contando com a espécie de barreira de um ambiente completamente fechado tentaram ali interromper o cotidiano agitado da cidade. Entretanto, quando por um instante se viram fazer parte daquela rotina novamente, perceberam que o seu "nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre".
CAMILA MORAES

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