Meu
futuro, como o seu, é o fim
(Fabiano
Santiago)
Meu nome é José dos Santos e eu sou um brasileiro comum;
comum em termos, pois sou bem maior que a maioria da população, mas não em
altura – eu sou obeso (o que é irônico, pois me sinto bem menor que qualquer
um).
Quando criança eu já era gordo, mas nessa idade o peso
era encarado como algo bom – “criança sadia é criança forte”, como diria minha
avó. Isto me incentivava, de certa forma, a comer. Fui uma criança feliz,
brincava e tinha amigos como todos os outros.
Tudo mudou a partir da puberdade; as campanhas sobre
obesidade passaram a ser foco na mídia e os homens de branco começaram a
prestar mais atenção em mim. Minha família estava preocupada – “Vai morrer de
ataque cardíaco”, dizia minha tia. Passei a fazer dietas e a praticar
exercícios; contudo, eu tinha fome e comia escondido dos meus pais e faltava às
aulas de natação.
Foi aos quinze anos que veio o diagnóstico, obesidade
mórbida, e, com ele, diversas outras complicações como diabetes, problemas
cardíacos (bendita tia!) e complicações respiratórias. Minha mãe se foi quando
completei dezesseis anos e passei a comer mais, muito mais.
As dietas foram perdendo sentido e superação física era
conseguir subir um lance de escadas sem ajuda. As pessoas me viam como um
portador de doença contagiosa; ninguém se aproximava, alguns zombavam, outros
me olhavam com piedade, mas, no fim, todos faziam a mesma coisa: batiam a porta
na cara do “gordo imprestável”.
Hoje tenho 23 anos e os homens de branco dizem que sou
uma vitória (talvez para eles). Vivo em um quarto de hospital, pois eles dizem
que meu coração é pequeno demais para bombear sangue para meu corpo avantajado.
Minhas amigas são uma enfermeira e uma janela, pela qual olho todos os dias, na
esperança que minha mãe volte, já que os homens de branco disseram que ela virá
em breve.
Sem título
(Grazi de La Torre)
A doença era hereditária; a adquirira de sua mãe, que
havia falecido há pouco tempo. Levava uma vida distante da sociedade, não por
própria vontade ou escolha, mas porque lhe impuseram isso. De criança teve uma
vida normal, mas logo que os outros aprenderam o que sua doença realmente
significava, o excluíram. Pensava que tudo era um castigo por algo que fizera em
uma vida passada; afinal, acreditava em reencarnação.
Sabendo do curto prazo de vida que ainda lhe restava, um
dia decidiu sair para se libertar. Foi para onde as pessoas levavam uma vida
boêmia, onde a noite era dia.
Ele era de uma bela feição: a doença não estava estampada
em suas características, não o denunciava à primeira vista. Entrou e logo as
luzes dilataram sua pupila; primeiro colocou o braço sobre o rosto, mas acabou
se acostumando rápido. Olhou em volta e sentiu a presença de uma bela, muito
bela, mulher ao seu redor.
Como em um passe de mágica, suas bocas estavam encaixadas
e ele correspondia ao beijo. Ela o convidou para o quarto e se atirou em cima
dele. Enquanto seus corpos esquentavam, ele paralisou o ato com um leve segurar
dos braços dela. “Nossa, você é mesmo bonita”. Entre risos e em tom de ironia,
ela lhe perguntou se queria mesmo conversar ou brincar. “Conversar” – disse ele
normalmente. Surpreendida, controlou-se, sentou-se ao seu lado e conversaram.
Ao longo de algum tempo, ele lhe contou sobre a doença.
Ela se calou, pensativa. Mas optou pela prevenção e não tardou por motivá-lo de
volta ao ato. Pareceu-lhes que tudo havia durado uma vida talvez, e entre
carinhos e sorrisos mais uma confissão saiu da boca dele: a recente perdida
virgindade. Ela continuou calada, pensando em como ele havia cruzado o seu
caminho – eram diferentes, muito diferentes.
“Preciso ir”, disse ela interrompendo ambos os
pensamentos. Sem pestanejar, apenas perguntou: “Não te verei de novo?”.
“Talvez”, disse ele, e saiu. Ela sabia que não o veria mais – pelo menos, não
em vida.
O peso da dor
(Andressa dos Santos
Coelho)
Acordou para mais um dia de vida. Olhou o relógio e viu
que já estava atrasada. Mesmo assim não se moveu. Começou a divagar sobre como seria
sua vida se tudo fosse diferente. Se seu corpo, grande e feio, como dizia sua
mãe, se transformasse em um corpo magro e belo – as coisas mudariam, ela teria
mais amigas, quem sabe até um namorado? A magreza deixa tudo mais fácil e essa
era a sua maior vontade.
Finalmente resolveu se levantar. Parou em frente ao
armário e outro dilema se formou: o que vestir? Nada ficava bom nela, nada
melhorava sua aparência. Não importava o que ela vestia ou fazia, riam dela de
qualquer jeito. “Mas eu mereço isso” – pensou a garota. Lembrou-se do médico
lhe informando sobre sua doença e dizendo que a única opção era emagrecer. Sua
mãe, histericamente, repetia um “eu te avisei!” a cada segundo. Todos a
avisaram, na verdade. Até um cartaz na escola a prevenia disso. Mas eles
achavam que era fácil, só mudanças de hábito. Só que não era tão simples assim,
porém ninguém entendia. Somente a culpavam.
Por fim vestiu-se, saiu apressada para o colégio, mais
uma vez sem comer nada. Já conseguiu completar cinco dias sem se alimentar. A
queriam magra e ela estava tentando, mesmo que isso a levasse a extremos. A
escola foi o mesmo desafio de sempre. As risadas, cochichos e piadas a feriam,
mas ela fingia não se importar e continuaria fingindo até chegar ao seu limite.
No fim da tarde voltou para casa, foi direto para o
quarto, disfarçou a fome de todo jeito. Deitou-se na cama, fechou os olhos e
imaginou-se em outro mundo. Um lugar onde a amariam, a entenderiam e a
aceitariam, mesmo com seus erros e defeitos. Adormeceu e teve um sonho lindo,
em que tudo parecia real e possível. Mas ela sabia que na manhã seguinte
começaria tudo outra vez, a mesma luta, culpa, cobranças, dor e humilhação. Seu
desejo de que tudo mudasse era enorme, todavia não tinha forças suficientes
para fazer algo por si mesma. Até quando aguentaria esta situação? O que a
mataria primeiro? Haveria salvação para ela? Todo o seu coração ansiava que
sim.