quarta-feira, 21 de março de 2012

Aula 3. Sequência instrutiva (os tipos de persuasão)

(UNESP 2012)
As reações do cérebro à bajulação

Pesquisa mostra que se você for bajular alguém é melhor fazer elogios descarados

Não é o que os meritocratas convictos gostariam de ouvir. Uma pesquisa da escola de negócios da Hong Kong University of Science and Technology indica que a bajulação tem um efeito marcante no cérebro da pessoa bajulada. Mais surpreendente do que isso é a conclusão do estudo de autoria de Elaine Chan e Jaideep Sengupta: quanto mais descarada a bajulação, mais eficiente ela é. A pesquisa deu origem a um artigo no Journal of Marketing Research, intitulado Insincere Flattery Actually Works (“Bajulação insincera de fato funciona”, numa tradução literal) e rapidamente chamou a atenção da imprensa científica mundial.
Os autores são cautelosos ao afirmar que puxar o saco funciona, mas é nessa direção que sua pesquisa aponta. Elaine e Sengupta criaram situações nas quais os pesquisados foram expostos à bajulação insincera e oportunista. Numa delas, distribuíram um folder entre os pesquisados que detalhava o lançamento de uma nova rede de lojas. O material publicitário elogiava o “apurado senso estético” do consumidor. Apesar do evidente puxa-saquismo, o sentimento posterior das pessoas foi de simpatia em relação à rede. Entre os participantes, a medição da atividade cerebral no córtex pré-frontal (responsável pelo registro de satisfação) indicou um aumento de estímulos nessa região. O mesmo ocorreu em todas as situações envolvendo elogios.
Segundo os pesquisadores, a bajulação funciona devido a um fenômeno cerebral conhecido como “comportamento de atraso”. A primeira reação ao elogio insincero é de rejeição e desconsideração. Apesar disso, a bajulação fica registrada, cria raízes e se estabelece no cérebro humano. A partir daí, passa a pesar subjetivamente no julgamento do elogiado, que tende, com o tempo, a formar uma imagem mais positiva do bajulador. Isso vale desde a agência de propaganda até o funcionário que leva um cafezinho para o chefe. “A suscetibilidade à bajulação nasce do arraigado desejo do ser humano de se sentir bem consigo mesmo”, diz Elaine Chan. A obviedade e o descaramento do elogio falso, paradoxalmente, conferem-lhe maior força. Segundo os pesquisadores, é a rapidez com que descartamos os elogios manipuladores que faz com que eles passem sem filtro pelo cérebro e assim se estabeleçam de forma mais duradoura.
Segundo Elaine e Sengupta, outro fator contribui para a bajulação. É o “efeito acima da média”. Temos a tendência de nos achar um pouco melhor do que realmente somos, pelo menos em algum aspecto. Pesquisas com motoristas comprovam: se fôssemos nos fiar na autoimagem ao volante, não haveria barbeiros. Isso vale até para a pessoa com baixa autoestima. Em alguma coisa, ela vai se achar boa, nem que seja em bater figurinha.
Mas se corremos o risco de autoengano com a ajuda do bajulador, como se prevenir? “Desenvolvendo uma autoestima autêntica”, diz Elaine. A pessoa equilibrada, que tem amor-próprio, é mais realista sobre si mesma, aceita-se melhor e se torna mais imune à bajulação.
(As reações do cérebro à bajulação. Época Negócios, março de 2010, p. 71.)

PROPOSIÇÃO
Bajular, lisonjear, adular, puxar saco são atitudes consideradas, muitas vezes, defeitos de caráter ou deslizes de natureza ética; são, também, condenadas pelas próprias religiões, como vícios ou “pecados”. As ficções literárias, teatrais e cinematográficas estão repletas de tipos bajuladores, lisonjeadores, aduladores, puxa-sacos, quase sempre sob o viés do ridículo e do desvio de caráter. Modernamente, porém, pelo menos em parte, essa condenação à bajulação e à lisonja tem sido atenuada, e até mesmo justificada por alguns como parte do marketing pessoal, ou como estratégia para atingir metas, dado o fato de que, como se informa no próprio artigo acima apresentado, até o elogio mais insincero pode encontrar eco na mente e no coração do elogiado. Na passagem do conto de Machado de Assis, apresentada nesta prova, Clemente Soares acabou atingindo seus objetivos por meio da bajulação, e a personagem Fagundes, de Laerte, parece viver sempre feliz em sua atividade preferencial de bajular.
Reflita sobre o conteúdo dos três textos mencionados e elabore uma redação de gênero dissertativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
A bajulação: virtude ou defeito?


Textos que estavam na prova (comentados na proposta do tema):
Um homem superior

Quis a desgraça de Medeiros [patrão de Clemente] que os negócios lhe corressem mal; duas ou três catástrofes comerciais o puseram às portas da morte. Clemente Soares fez quanto pôde para salvar a casa de que dependia o seu futuro, mas nenhum esforço era possível contra um desastre marcado pelo destino, que é o nome que se dá à tolice dos homens ou ao concurso das circunstâncias.
Achou-se sem emprego nem dinheiro.
(...)
No pior da sua posição, recebeu Clemente uma carta em que o comendador o convidava a ir passar algum tempo na
fazenda. Sabedor da catástrofe de Medeiros, queria o comendador naturalmente dar a mão ao rapaz. Este não esperou que repetisse o convite. Escreveu logo dizendo que daí a um mês se poria em marcha.
Efetivamente um mês depois saía Clemente Soares em caminho do município de***, onde era a fazenda do comendador Brito.
O comendador esperava-o ansioso. E não menos ansiosa estava a moça, não sei se porque já lhe tivesse amor, se porque ele fosse uma distração no meio da monótona vida rural.
Recebido como amigo, tratou Clemente Soares de pagar a hospitalidade, fazendo-se conviva alegre e divertido.
Ninguém o poderia melhor do que ele.
Dotado de grande perspicácia, compreendeu em poucos dias como entendia o comendador a vida do campo, e tratou de o lisonjear por todos os modos.
Infelizmente, dez dias depois da sua chegada à fazenda, adoeceu gravemente o comendador Brito, por maneira que o médico poucas esperanças deu à família.
Era ver o zelo com que Clemente Soares servia de enfermeiro do doente, procurando por todos os meios suavizar-lhe os males. Passava noites em claro, ia aos povoados quando era necessário fazer alguma coisa mais importante, consolava o doente já com palavras de esperanças, já com animada conversa, cujo fim era distraí-lo de pensamentos lúgubres.
— Ah! dizia o pobre velho, que pena que eu o não conhecesse há mais tempo! Bem vejo que é um verdadeiro amigo.
— Não me elogie, comendador, dizia Clemente Soares, não me elogie, que é tirar o mérito, se o há, destes deveres agradáveis ao meu coração.
O procedimento de Clemente influiu no ânimo de Carlotinha, que nesse desafio de solicitude soube mostrar-se esposa
dedicada e reconhecida. Ao mesmo tempo fez com que em seu coração se desenvolvesse o gérmen de afeto que Clemente de novo lhe lançara.
Carlotinha era uma moça frívola; mas a doença do marido, a perspectiva da viuvez, o desvelo do rapaz, tudo fez nela
uma profunda revolução.
E mais que tudo, a delicadeza de Clemente Soares, que, durante esse tempo de tão graves preocupações para ela, nenhuma palavra de amor lhe dirigiu.
Era impossível que o comendador escapasse à morte.
(Machado de Assis. Contos fluminenses, vol. II. São Paulo: Editora Mérito, 1962, p. 103-105.)


A relatividade da bajulação
(Lucas Caraça)

Ver o copo de água como "meio cheio" ou "meio vazio" é relativo. A mesma figura pode implicar ora em algo positivo, ora em algo negativo - depende de quem a observe. Quando se fala em bajulação, a relatividade também existe. Para o bajulador, quando seus lisonjeios têm eficiência, ou seja, quando consegue manipular o bajulado de modo a conquistar algo que deseja (seja a retribuição do elogio para aumentar sua autoestima, seja algo material), a bajulação é uma virtude. Para aquele que é manipulado, entretanto, a bajulação pode vir a ser um defeito - afinal, quem é que se sente bem ao ser enganado com falsos elogios?
Para justificar quando a adulação vira uma virtude, se pode usar como exemplo o fato de que, desde que surgiu, o homem compete com seu semelhante. Nos primórdios a força física era frequentemente utilizada quando se queria alcançar determinados objetivos; nos tempos atuais, quase sempre é a capacidade intelectual que cumpre essa função.
Assim, o homem deve saber usar a capacidade de bajular a seu favor, para, por exemplo, conquistar uma vaga de emprego (típica situação em que se deve, de certa forma, manipular o entrevistador), caso em que a bajulação, utilizada de maneira correta, pode ser usada em benefício próprio - já que se trata de uma situação de competição.
Quando utilizada de maneira não prejudicial ao outro, a bajulação pode ser considerada uma virtude. Contudo, se torna facilmente um defeito quando o contrário acontece, como, por exemplo, quando alguém a utiliza apenas para aumentar seu status utilizando outras pessoas como degrau. 

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