quarta-feira, 14 de março de 2012

Interpretação de Textos - Aula 2. Questionamentos de preconceitos linguísticos, literários e culturais

Exercícios:



1. (UNIFESP 2012)

Leia o texto.


A nossa instrução pública cada vez que é reformada, reserva para o observador surpresas admiráveis. Não há oito dias, fui apresentado a um moço, aí dos seus vinte e poucos anos, bem posto em roupas, anéis, gravatas, bengalas, etc. O meu amigo Seráfico Falcote, estudante, disse-me o amigo comum que nos pôs em relações mútuas.
O Senhor Falcote logo nos convidou a tomar qualquer coisa e fomos os três a uma confeitaria. Ao sentar-se, assim falou o anfitrião:
– Caxero traz aí quarqué cosa de bebê e comê.
Pensei de mim para mim: esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar. Vieram as bebidas e ele disse ao nosso amigo:
– Não sabe Cunugunde: o véio tá i.
O nosso amigo comum respondeu:
– Deves então andar bem de dinheiros.
– Quá ele tá i nós não arranja nada. Quando escrevo é aquela certeza. De boca, não se cava... O véio óia, óia e dá o fora.
(...)
Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura.
O nosso amigo indagou dele em certo momento:
– Quando te formas?
– No ano que vem.
Caí das nuvens. Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos!
O nosso amigo indagou ainda:
– Tens tido boas notas?
– Tudo. Espero tirá a medáia.


(Lima Barreto. Quase doutor.)




a) Tendo em vista o conceito contemporâneo de variação linguística, que ensina a considerar de maneira equânime as diferentes formas do discurso, avalie a atitude do narrador em relação à personagem Falcote, expressa na seguinte frase: (...) esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar.
O narrador tinha acabado de conhecer aquele homem (Seráfico Falcote). Analisou suas vestes, sua aparente posição social e quando o ouviu falando teve uma decepção. Rapidamente, o narrador justificou o porquê da linguagem daquele estudante ser daquele jeito: "ele veio da roça, por isso o modo feio de falar". O narrador, com esse pensamento, foi preconceituoso, rotulou o recém-conhecido como um caipira (e sendo um caipira, o narrador pensou que também não tinha cultura, estudara pouco). Mais adiante, quando ele descobre que aquele "caipira" era quase formado, com boas notas e bom conhecimento, ele se surpreende, evidenciando seu preconceito novamente.
(Andressa dos Santos Coelho)

b) Reescreva na norma-padrão – Caxero traz aí quarqué cosa de bebê e comê e em seguida transcreva um trecho da crônica em que se manifesta a atitude irônica do narrador.
Reescrita na norma padrão, a frase fica: "Caixeiro, traga qualquer coisa de beber ou comer".
O trecho em que a atitude irônica do narrador se manifesta é claramente é em: "Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura."
(Aline Lima - com alguns acréscimos)

2. (UNIFESP 2012)

Leia o texto.


Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam-me de Doidinho. O meu nervoso, a minha impaciência mórbida de não parar em um lugar, de fazer tudo às carreiras, os meus recolhimentos, os meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho.


E a verdade é que eu não repelia o apelido. Todos tinham o seu. Havia o Coruja, o Pão-Duro, o Papa-Figo. Este era o pobre do Aurélio, um amarelo inchado não sei de que doença, que dormia junto de mim. Vinha um parente levá-lo e trazê-lo todos os anos.


Em S. João não ia para casa, e só voltava no fim do ano porque não havia outro jeito. A família tinha vergonha dele em casa. Nunca vi uma pessoa tão feia, com aquele corpanzil bambo de papangu. Apanhava dos outros somente com o grito: – Vou dizer a Seu Maciel! – Mas não ia, coitado. Nem esta coragem de enredo, ele tinha. Dormia com um ronco de gente morrendo e a boca aberta, babando. Às vezes, quando eu acordava de noite, ficava com medo do pobre do Aurélio. Ouvia falar que era de amarelos assim que saíam os lobisomens. Certas ocasiões não podia se levantar, e dias inteiros ficava na cama, com um lenço amarrado na cabeça. E o seu Maciel não respeitava nem esta enfermidade ambulante: dava no pobre também.


(José Lins do Rego. Doidinho.)


Levante três características da personagem Papa-Figo e, além disso, transcreva um trecho do texto em que fique patente que ela era vítima de intolerância no colégio.

O fragmento apresenta Aurélio, o Papa-Figo, tanto do ponto de vista físico quanto moral. Quanto à aparência, destacam-se sua feiura (“Nunca vi uma pessoa tão feia”), seu tamanho e sua gordura (“corpanzil bambo”), além do fato de ser visto como uma “enfermidade
ambulante”, por ser “amarelo, inchado”, portador de moléstia desconhecida pelo narrador (“não sei de que doença”). Note-se que o apelido, Papa-Figo, faz referência a um pássaro amarelo, o que combina com Aurélio; além disso, o termo aplica-se também a uma pessoa voraz, comilona, o que também condiz com a caracterização da personagem. Sob o aspecto
moral, destaca-se sua covardia, manifesta na incapacidade de reagir às violências de que era vítima (“Nem esta coragem de enredo ele tinha”) e a condição de menino desprezado tanto pelos familiares (“A família tinha vergonha dele em casa”) quanto pelos colegas (“Apanhava dos outros”). No texto, as evidências de intolerância para com Aurélio são fornecidas em duas passagens: a primeira mostra a ação dos colegas: “Apanhava dos outros”; a segunda, a de um funcionário do colégio: “seu Maciel [...] dava no pobre também”.

(Esta é a resposta do Anglo - ninguém no Gauss acertou a questão. A maioria dos alunos até "intuiu" a resposta correta, porém apenas despejou as informações no papel, sem organização nenhuma. É preciso contextualizar cada frase que colocamos na prova. Exercícios de transcrição de trechos do texto são mais fáceis - cuidado para não perder pontos por preguiça de escrever um pequeno texto contextualizando as transcrições, ok?) 

Redação

(UNIFESP 2012)


Observe a charge, publicada no Jornal de Garulhos em 12.05.2011








Charges como essa inspiraram-se na polêmica instalada devido à orientação sobre variação linguística em um livro didático produzido para a Educação de Jovens e Adultos, Por uma vida melhor, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC).


A passagem polêmica traz as seguintes informações:



Sírio Possenti, professor da Unicamp, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 22/05/2011, afirmou:


O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi). Nem por isso se abstiveram de ‘analisar’.


O professor apontou três pontos fundamentais sobre o assunto:


I. Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em linguística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (...). ‘Os livro’ segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.


II. Outro problema foi responder ‘pode’ à pergunta se se pode dizer os livro. ‘Pode’ significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, ‘pode’ está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram ‘pode’ como ‘deve’. E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo.


III. A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz ‘os livro’ pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português ‘correto’ é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a
escrita (!) separa os homens dos animais!




Em artigo na revista Veja, em 25/05/2011, a escritora Lya Luft disse: O livro e a ideia que o fundamenta começam a merecer críticas de entidades como a Academia Brasileira de Letras e de centenas de estudiosos. Eu o vejo como o coroamento do descaso, da omissão, da ignorância quanto à língua e de algum laivo ideológico torto, que não consigo entender bem. Acrescenta: Essa variedade se chama adequação, é essencial, é natural e enriquece a língua. Mas querer que a escola ignore que existe uma língua-padrão, que todos temos o direito de conhecer, é nivelar por baixo, como se o menos informado fosse incapaz. É mais uma vez discriminar quem não pôde desenvolver plenamente suas capacidades.


No dia 19/05/2011, em seu Editorial, a Folha de S.Paulo publicou: O episódio, que faz lembrar as ferozes controvérsias gramaticais da República Velha (1889-1930), é menos relevante em si do que pelo que reitera em termos de mentalidade pedagógica. De algumas décadas para cá, a pretexto de promover uma educação ‘popular’ ou ‘democrática’, muitos educadores dedicam-se a solapar toda forma de saber implicada no repertório de conteúdos que a humanidade vem acumulando ao longo das gerações. Em vez da revolução pedagógica que apregoam, o resultado tem sido a implantação despercebida da lei do menor esforço nas escolas. Estuda-se pouco e ensina-se mal. Isso – e não suscetibilidades gramaticais – é o que deveria preocupar.


Por fim, veja-se a posição da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN): O livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) já em andamento há mais de uma década. Outros livros didáticos também englobam a discussão da variação linguística para ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, nunca houve a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma para o acesso efetivo aos bens culturais e para o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência da disciplina de Língua Portuguesa para falantes nativos de português. Conclui-se o texto: é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística.




Com base nas informações apresentadas – e em outros conhecimentos sobre o assunto discutido – elabore um texto dissertativo, em norma-padrão da língua, abordando o seguinte tema:


A questão da variação linguística no contexto da educação

São dezenas as línguas portuguesas do Brasil - e, ainda assim, com certeza sempre vai existir alguém que, ao pronunciar alguma palavra fora da norma padrão ou com seu sotaque de origem, vire motivo de deboche e sátira. Esta situação comum é um exemplo do preconceito linguístico, tema que vem sendo cada vez mais discutido entre professores de língua, alunos e jornalistas. O assunto, sem dúvida, foi desencadeado após a publicação, pelo MEC, do livro didático "Por uma vida melhor", que continha afirmações que repercutiram nacionalmente, tal como: "Mas eu posso falar 'os livro?' Claro que pode."

Segundo Marcos Bagno, autor de "Preconceito Linguístico", "essa forma de preconceito se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua portuguesa ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários." O que a maioria das pessoas deveria perceber é que a forma de escrever e de pronunciar nem sempre são iguais. Elas se distinguem de acordo com a região de moradia ou de origem de cada pessoa, dentre outros fatores.

São essas variações que enriquecem a nossa língua. O que é diferente provoca curiosidade e um certo aprendizado. A missão das escolas é acrescentar conhecimentos e não substituir a língua verdadeira pela norma padrão.

(Marlúcia)



As várias formas de se expressar

Para muitas pessoas, ouvir alguém com boa aparência falando de forma coloquial é quase imperdoável, pois a elite doutrina todos a seguirem um certo "padrão" linguístico, como sinônimo de cultura e indicador de posição social. No Brasil há várias regiões, cada uma delas com sua história, cultura e costumes próprios - por que elas não podem possuir também sua própria forma de expressão, na qual as pessoas se sintam à vontade para se comunicar?

Infelizmente, foram criadas regras demais para a língua. As crianças e adolescentes aprendem nas escolas que devem seguir normas na fala e na escrita, mas pouco aprendem sobre o quão importante são as diversas formas de falar o português no Brasil, pois é essa multiplicidade que ajuda a criar a identidade e a individualidade de cada brasileiro.

Como é de costume, os alunos aprendem a teoria generalizada de livros e de professores instruídos a diminuir sua visão e curiosidade. Apesar de aprenderem alguns tipos de variação linguística, como a sociocultural (grupo social), a geográfica (região) e a histórica (época), são ensinados a reconhecê-las, para depois ignorá-las e nunca repeti-las.

É evidente que há carência de ensino que mostre aos alunos o real valor da nossa cultura e quanta riqueza é possível adquirir observando e compreendendo as variações linguísticas.

(Aline Lima da Silva)







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