quinta-feira, 29 de julho de 2010

Aula 12 - O gênero carta argumentativa



Simulado Unicamp 2011

Leia a crônica abaixo e coloque-se na posição de um adulto que teve uma experiência escolar de “menino triste” e resolveu relatá-la em uma carta endereçada ao autor da crônica. Nessa carta, marcada por uma interlocução bem definida, você deverá:
• relatar sua experiência escolar de menino triste;
e
• relacionar essa experiência com a posição de M-1 ou de M-2, mostrando como sua escola lidou com a questão.

Lembre-se de que não deverá recorrer à mera colagem de trechos do texto lido.

Olho de menino triste
Duas pessoas que não conheço dialogam no ônibus e participo, em silêncio, ouvindo e pensando. Adorável conversa a três na qual apenas dois falam.
M-1 é a moça um. M-2 é a moça dois, a interlocutora. A-T sou eu. Elas conversavam, eu ouvia e pensava.

M-1 – Nada me comove mais que olho de menino triste. Você não tem vontade de chorar?
M-2 – Ah, minha filha, eu nem olho muito. De triste já chega a vida. Finjo que não vejo e só reparo os meninos alegres, aqueles comunicativos. Criança, para mim, tem que ser feito aquelas dos anúncios: sempre perfeitas, fortes, gordas, engraçadinhas e modelares.
M-1 – Também acho, mas quando vejo uma criança de olho triste, não consigo me desligar do que ela estará pedindo sem falar. Fico numa agonia danada querendo adivinhar qual é o seu problema. Tenho certeza de que ninguém alcança.
A-T – Não adianta, moça. O inconsciente humano, assim como carrega o passado do homem e da espécie, também tem germens de antecipação do futuro. As dores da humanidade, presentes, passadas e por vir, já acompanham algumas pessoas. E modelam seus rostos, olhos e mensagens corporais silenciosas...
M-2 – Deixa isso pra lá. A gente não vai salvar o mundo, mesmo. Se você ficar sempre olhando o lado triste quem acaba na fossa é você e sem nenhum proveito. Fossa pega, menina. E quem fica na fossa não tira ninguém dela. Sei lá. Se você ficar triste, por causa dele, o menino de olho triste vai ficar mais triste ainda.
M-1 – Pode ser que você tenha razão. Mas se fico negando a parte triste e transformo tudo em alegria, tenho a sensação de estar enganando minhas crianças (nessa hora, percebi que ambas eram professoras). O que é que ou fazer, se lá no colégio sinto mais simpatia pelos que ficam quietinhos, morrendo de medo dos outros, loucos de vontade de brincar mas sem coragem de se enturmar.
A-T – Esses vão ser assim sempre. Claro que terão, na mocidade, um período de reação, no qual tentarão se extroverter e nesse afã seguramente hão de exagerar. Lentamente, porém, como um rio após a enchente, voltarão para o leito de sua disposição inata e seguirão pela vida sempre olhando os brinquedos do lado de fora da vitrina.
M-2 – Bobagem sua. Com jeito, você pode ir atraindo os mais encabulados para a brincadeira dos outros. Se eles sentem que você está com peninha, nunca vão reagir. Vão é se basear na sua pena para ficar ainda mais tristes.
M-1 – E você pensa que não tenho tentado? É que observei que os meninos tristes, mesmo quando incentivados a brincar com os demais, acabam voltando ao que são, dentro da brincadeira. Os mais alegres e soltos sempre levam a melhor. Fico pensando se não seria o caso de se inventar uma pedagogia especial para a sensibilidade. Não há currículo? Não há nota? Não há teste de inteligência e de habilidades psicomotoras? Se tudo isso é importante, por que a escola não inventa, também, um tipo de currículo ou de pedagogia ou até mesmo escolas especiais para as crianças mais sensíveis? Acho que, se a gente consegue integrá-las na média, mais do que educando estará é violentando uma parte boa delas. Você não acha?
M-2 – Não acho, não. Se a escola conseguir formar e aprimorar sensibilidades, você acha que depois, na vida aqui de fora, haverá a mesma compreensão para os sensíveis? Essa não. Não é o mundo que tem que se adaptar às pessoas. Elas é que têm que se adaptar ao mundo.
A-T – Estava na hora de saltar. Desci feliz. Uma conversa como esta, de duas professoras, mostra que o mundo pode ser salvo. Mas fiquei pensando: talvez sejam os meninos tristes que o salvarão, sempre que a escola, um dia, os entenda e aprenda a cuidar-lhes sensibilidade e emoção da mesma maneira que se lhes aprimora a inteligência. Mas pedagogias à parte: haverá algo mais apatetante, culposo e dolorido que menino de olho triste? (Artur da Távola. Mevitevendo (Crônicas). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996: 25-27.)

Bianca Kaori:

Atibaia, 25 de junho de 2010

Caro Artur da Távola:

Ao ler sua crônica "Olho de menino triste", lembrei-me da minha infância e do quanto ela foi triste.
Aos seis anos de idade, perdi meus pais em um trágico assalto. Vi meus pais serem mortos e o barulho daquele tiro permanece em minha mente. Meus pais eram a única família que eu possuía, tanto que (depois) passei a morar em um orfanato.
Aos sete anos, entrei na escola e comecei a cursar a primeira série do ensino fundamental. Lembro da dificuldade que tinha ao aprender a ler. Quando a professora fazia chamada oral, todas as crianças acertavam (o exercício, enquanto) eu sempre errava. Por esses erros passei a ser motivo de piadas. Logo as crianças souberam o motivo, (e descobrindo que) eu morava no orfanato, seus olhares me condenaram. Mas ao ler (sobre) a "M-2", lembrei-me da professora que mal me olhava, agia naturalmente e nunca me tratava de (modo) diferente. Quando ela me olhava, seus olhos não me condenavam e não tinham piedade. Através do olhar de minha professora, percebi que era uma criança normal.
Hoje, sei que sou capaz, graças (à minha M-2).

Atenciosamente,
B.K.

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