segunda-feira, 17 de maio de 2010

Aula 11 - Descrição: a construção de personagens e cenários


(Unicamp 1995)

Na coletânea abaixo, há elementos para a construção d eum texto narrativo em que se tematiza o relacionamento entre duas pessoas, o cruzamento de duas vidas. Sua tarefa será desenvolver essa narrativa, segundo as intruções gerais.

A tragédia deste mundo é que ninguém é feliz, não importa se preso a uma época de sofrimento ou de felicidade. A tragédia deste mundo é que todos estão sozinhos. Pois uma vida no passado não pode ser partilhada com o presente.
(Ana Lightman, Sonhos de Einstein, 1993)

Cena A: Um homem, uma mulher

- Uma mulher deitada no sofá, cabelos molhados, segurando a mão de um homem que nunca voltará a ver.
- Luz do sol, em ângulos abertos, rompendo uma janela no fim da tarde. (...) Uma imensa árvore caída, raízes esparramadas no ar, casca e ramos ainda verdes.
- O cabelo ruivo de uma amante, selvagem, traiçoeiro, promissor.
- Um homem sentadoi na quietude de seu estúdio, segurando a fotografia de uma mulher; há dor no olhar dele.
- Um rosto estranho no espelho, grisalho nas têmporas.
- As sombras azuis numa noite de lua cheia. O topo de uma montanha com um vento forte e constante.

Cena B: Um pai, um filho

- Uma criança à beira do mar, enfeitiçada pela primeira visão que tem do oceano.
- Um barco na água à noite, suas luzes tênues na distância, como uma pequena luz vermelha no céu negro.
- Um livro surrado sobre uma mesa ao lado de um abajur de luz branda.
- Uma chuva leve em um dia de primavera, um passeio que será o último passeio que o jovem fará no lugar que ele ama.
- Um pai e um filho sozinhos em um restaurante, o pai, triste, olhos fixos na toalha da mesa.
- Um trem com vagões vermelhos, sobre uma grande ponte de pedra, de arcos delicados, o rio que sob ela corre, minúsculos pontos que são casas à distância.

Instruções gerais:

- Escolha elementos de apenas uma das cenas apresentadas (A ou B), para construir: as duas personagens, o cenário, o enredo e o tempo de sua narrativa.
- O foco narrativo deverá ser em terceira pessoa.
- O desenvolvimento do enredo, a partir da cena escolhida por você, deverá levar em consideração o trecho de Ana Lightman, que introduz a coletânea.

(* os fragmentos das cenas A e B também foram extraídos do livro de Ana Lightman)

Camila Rosa Silveira

Já havia uns dez minutos que eles tinham chegado. O restaurante estava parcialmente vazio. Havia murmúrios (vindos) de todos os lados, menos da mesa em que se encontrava Matheus. Matheus era um jovem senhor, com seus cinquenta anos nas costas. Cabelos brancos, olhar sereno que evitava o do filho. Estava acompanhado de Matheus Filho, o seu único, tinha 25 anos e de longe notavam-se tantas semelhanças que faziam com que se percebesse o parentesco. O filho, por sua vez, mostrava um olhar distante, como se aquele jantar não lhe importasse muito. O pai até que tentava dizer algo, mas smepre que abria a boca era para beber água. Ele mostrava-se triste, olhou fixamente para o filho, mas acabou por desviar vagarosamente o olhar para a mesa. Em sua mente vieram lembranças do passado, do tempo em que sue filho ainda era criança. Olhava através do copo com água e podia ver o filho (...) menino.
Vagamente ia se lembrando do dia em que levara o filho pela primeira vez para ver o mar. O moleque, de apenas cinco anos, se sentia enfeitiçado pela beleza daquele oceano, tão imenso, tão azul e tão intenso.
Resolveram os dois passar o final de semana juntos, seria um momento de pai e filho. Foram de trem para melhor aproveitar a viagem. O menino já tinha os olhos encantados observando um rio grandioso que avistava ao longe. Ao chegarem ao hotel, o filho havia adormecido. O pai, um pouco cansado, resolvera ler. Era um quarto com paredes brancas e com lençóis azuis. A luz, por sua vez, era branda. Desistiu de ler. Colocou aquele velho livro, que por tantos anos o acompanhara em (...) momentos de sua vida, (...) na mesinha ao lado da cama. Um livro com páginas amareladas se misturava com o pó da mesinha. Um vento frio bateu na janela. O pai ficava a olhar para o filho, que dormia em um sono profundo, a imaginar como ele seria daqui a vinte anos. Abraçou-o, queria estar sempre perto dele.
No domingo à tarde foram passear. Acabaram se molhando com uma chuva fraca de primavera. Se entreolharam. Riram. O filho gostava de sentir a água em seu corpo. O pai o acompanhou. Vendo o menino brincando, seus olhos se encheram de lágrimas.
Foram embora. Nunca mais voltaram. O menino virou homem, Matheus Filho. Apesar do mesmo nome e da semelhança física, hoje eram dois homens estranhos, que não mais se encontravam nos olhares.
Matheus recompôs-se, aquela viagem ao passado tão distante demorou apenas um minuto. Olhou para o filho. O filho olhava para o nada. O pai então perguntou:
- O que vai ser, filho?
- Peixe - respondeu o menino que já era homem.

Nenhum comentário: