segunda-feira, 17 de maio de 2010

Aula 9 - Tempo e Espaço


Tema 1

(UFSC 2009) Observe o quadro Cena de família, do pintor paulista Almeida Júnior (1850-1899).

Redija um texto narrativo começando por:
Era uma vez . . .

Muito açúcar e pouco afeto

"Era uma vez uma linda princesa, clara como um amanhecer de outono" - lia, com voz pausada e desritmada, um senhor de fartos bigodes e compleição frágil. Ao seu redor, cinco crianças e uma babá, em disposição diversa, completavam a típica cena de família burguesa em fins de XIX.
"Era uma vez um lindo príncipe, escuro como uma noite de inverno" - parodiava o filho mais velho, segurando o bebê da escrava Ana em seu colo. Meio-irmão e meio-serviçal, o filho da traição foi sendo incorporado aos poucos ao seio da família dos Albuquerques. Talvez por sorte, Alberto nascera em 90, quando a abolição havia passado a realidade. Para o pai, o pequeno quase-escravo era um símbolo de seu avanço ideológico, uma bandeira de seu partido - Liberal - estampada na sala de sua própria casa. Para a esposa traída, a criança era mais um brinquedo sujo com que seus filhos se divertiam - um bastardo indesejável, porém necessário.
Ana, calada, cozinhava. Sem direito a participar do núcleo familiar e desvalida de sua liberdade, era escrava encoberta, que recebia por seus muitos trabalhos um valor que se pretendia simbólico e que nada era. Na panela, ferviam seus ódios, preparados, contudo, em banho-maria. Com a abolição, multiplicaram-se seus serviços na casa: passou a ser a encarregada de toda e qualquer tarefa dos recém-libertos.
Sua fuga, uma corrida rumo à liberdade, teria um preço caro demais, inacessível para ela, tão desprovida de recursos. Sem saber como ou o porquê, seu filho assumira o posto de enfeite a ser mostrado às visitas. Inicialmente orgulhosa, fora percebendo aos poucos indefinidas intenções na exibição de seu bebê, fora a ironia e a crueldade da sinhá e seus rebentos. Se rogasse por sua liberdade, seu filho ficaria - castigo demasiado amargo para quem passa o dia nos tachos de doces.
Contudo, dali a pouco, a vida mudaria. Enquanto terminava a compota de ameixa e nozes - a preferida de toda a família - retirou, uma vez mais, o pote de arsênico do avental. Caprichou um pouco mais que o de costume na dose, uma vez que os dentinhos de Alberto estavam a nascer e logo a crocãncia das nozes não lhe seria mais um proibitivo. A vingança era doce e Ana o sabia. A família se deliciava com a sobremesa a cada almoço e janta, compulsivamente - o veneno viciava. Na sala, algum enredo sobre uma princesa e uma maçã, que a escrava mal e mal escutava. Ana não estava interessada em conto algum de "era uma vez": o que tinha em mente era, exclusivamente, poder ser a dona de sua história.

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